
Estava encarando uma mega aula de direito administrativo, quando meu estômago começou a doer. Era dor mesmo, não era algo como cólica ou dorzinha de barriga. Comecei a sua frio, e depois de várias tentativas infelizes de melhorar, resolvi levantar e ir embora. Saí da sala lotada (sabe quando você pega aquele ônibus bombando e as pessoas que estão em pé te amaldiçoam só porque você ameaça levantar?) e segui, tonta, em direção ao elevador. Não pude entrar porque o “senhor das carteirinhas”, estava carregando uns pacotes e o micro-elevador estava lotado.
-Moço, o senhor se incomoda se eu descer no elevador também?
-Me incomodar, não me incomodo. Mas de jeito nenhum você vai descer no elevador agora. Tenho que descer com todos esses pacotes.
-Eu entendo, mas é porque não estou me sentindo bem. Estou receosa de descer pelas escadas e cair.
-Você está grávida?
-Não! Mas estou tonta e com muita dor. Estou com medo de despencar.
-Ah, você consegue. São só três andares.
Desisti e resolvi encarar as escadas. Desci aquilo tudo num embalo que só Deus sabe como, e fui para o hospital. No caminho, liguei pro meu pai e contei o que estava acontecendo. Chegando lá, outro sofrimento. Tive que apresentar a carteira de identidade na porta da emergência. Já estava pálida de tanta dor e o guardinha dando palpite de onde estaria o documento, vendo que eu não conseguia enxergar mais nada. Depois de assinar uma lista, me dirigi para outro balcão, agora o da recepção. Fiquei mais ou menos um cinco minutos esperando a moça largar o programa de televisão e vir me atender.
-Oi! Tudo bem com você? Está tão pálida! Tem consulta marcada?
-Não! Estou para morrer de dor no estômago. Preciso ser atendida na emergência.
- Deixa eu ver aqui os médicos disponíveis.
E lá se foram mais (intermináveis) cinco minutos e a mulher solta:
-Olha, não temos gastro na emergência, não.
-Moça, eu não tenho condição nem de falar, veja lá de escolher a especialidade. Tem um clínico geral?
-Deixa eu ver….Tem sim. Espera um pouco aí que vou ter que chamar outra atendente para fazer sua ficha, meu horário já acabou.
-Como assim? Pelo amor de Deus, moça!
Parei de contar os minutos. Só rezava pra conseguir ser atendida ainda nessa vida. Já estava começando a chorar, quando chegou a outra. A mulher era novinha, bonita, mas tinha uma cara tão fechada que minha vontade era de sair correndo. Mas dei um sorriso amarelo e me aproximei novamente do balcão.
-Bom dia! Eu preciso preencher algo para ser atendida pelo...
-Tem plano de saúde? Ou vai pagar em dinheiro?
Entreguei minha carteirinha e encostei no balcão de cabeça baixa, já me despedindo dos meus amigos e da minha família, quando a mulher solta um berro:
-Ana Paula Ribeiro Rocha, você precisa assinar todas as vias (quatro) e responder esse questionário. Depois entregue naquele outro balcão e vá para a sala de espera.
-Moça, esse questionário é realmente importante? Não estou me agüentando em pé!
-Se não fosse importante, eu estaria mandando você preencher?
- Biscate, eu pensei. Imaginei mesmo a cena, eu xingando aquela vagabunda ali, mas logo voltei ao normal.
Dei um suspiro, me concentrei em terminar e rezei com mais força ainda para ser atendida logo. Um guardinha que acompanhou tudo, parado no canto da sala, se aproximou e me aconselhou a ir preencher na sala de espera e que quando terminasse, ele mesmo levaria para mim. Foi a minha salvação.
Para variar, a sala estava lotada, uma quantidade infernal de crianças chorando, mas eu me preocupei em contar os idosos e as grávidas (visto que teriam prioridade) e desabei a chorar quando vi que o número de velhinhos era enorme. Sentei numa cadeira bem próxima a porta e nem me preocupei se tinha alguém olhando ou não, chorava feito aquelas crianças. A dor começou a ficar tão forte que eu não conseguia encontrar uma posição na cadeira, não conseguia respirar, nem prestar atenção na televisão. Eis, que escuto uma gritaria na recepção.
-Como assim você quer minha identidade? Eu estou há quase meia hora esperando essa mulher largar o programa de televisão dela e vir me dizer onde está minha filha.
E o homem continuava:
-Vocês são pagas para atender as pessoas ou para assistir essa Ana Maria Braga?(não era o programa dela). É por isso que esse país não vai pra frente. Olha a quantidade de idosos esperando, e esse bando de mulher feia, que pensa que é a Xuxa, fazendo a gente de otário. Quer saber? Vão tudo se fuder enquanto está de dia que vou achar minha filha sozinho. E é bom vocês rezarem pra ela estar bem!
Meu Deus! Era meu pai, dando um showzinho básico na recepção do hospital. Saí correndo atrás dele antes que o barraco fosse maior e ainda consegui dar uma melhorada na cara (imagina se ele sonha que estava chorando), para não piorar a situação. Consegui alcançá-lo antes que entrasse num consultório:
-Misericórdia, pai! Precisa fazer esse barraco todo?
-Barraco? Um bando de mulher feia que fica me fazendo de otário. Tem mais de uma hora que estou querendo saber pra onde te encaminharam.
-Uma hora, pai?
-Ah, menina chata! Esperar é esperar, não importa os minutos. E eu queria saber de você. Já foi atendida?
-De certo! Pelo visto vai demorar. É melhor você se acalmar. Tem um monte de idosos na minha frente.
Chegamos na sala de espera e meu pai tratou de puxar conversa com os velhinhos. Só ouvia os discursos de indignação, as reclamações, os exemplos da época da ditadura, do descaso com que são tratados pelos jovens hoje em dia, e meu pai inflamando, até que na hora que um deles foi chamado para ser atendido, o senhor se levantou, foi até mim e disse:
-Vá no meu lugar, minha filha! Vejo que está sentindo muita dor. Enquanto você conversa com o médico, eu fico aqui, conversando com seu pai.
Nem agradeci ao velhinho direito e saí correndo. O médico não resolveu muita coisa, não depois de passar um milhão de exames, mas consegui algo para diminuir a dor, o que pra mim, já foi de bom tamanho. Mas na saída do hospital ainda ganhei uma bronca do meu pai:
-Você tem que deixar de ser boazinha, Ana Paula. Não é porque precisa dos serviços deles que tem que ficar calada para o abuso. Você tem uma mania de entender as pessoas que me irrita. Principalmente quando o negócio acontece com você.
-Tá bom, pai! E eu tenho então que sair mandando todo mundo se fuder enquanto está de dia? Acha que isso realmente resolve?
-Resolver, não resolve. Mas que dá um alívio, isso dá! huahuahuahua